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Consciência Negra
O que é ser negro?
A identidade negra não está restrita à cor da pele e às características físicas, mas envolve o sentimento de pertença histórica a um povo, unido por uma cultura e por tradições próprias, as quais têm notadamente uma matriz africana, ainda que, no nosso contexto, tenham sido naturalmente influenciadas pelo encontro com os povos que constituíram o Brasil. Essas tradições são passadas de geração a geração, vivificadas na comunidade local e apropriadas, ao longo da sua história, pelo sujeito que se reconhece como negro. Além das tradições, o estigma e a exclusão vividos por membros dessa comunidade também marcam sua trajetória e lhe conferem um caráter de luta por respeito e igualdade de oportunidades.
É importante observar, nesse contexto, que muitas pessoas não apresentam a pigmentação da pele e outras características físicas que inicialmente levariam a sociedade a considerá-las negras, mas pertencem à comunidade negra pelos fatores-histórico-culturais e sociais já mencionados. Por isso, entende-se que essa identidade não pode ser conferida por outrem, mas precisa ser declarada por aquele que realmente se compreende como negro.
Qual a representatividade demográfica de negros no Brasil?
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), - de acordo com informações veiculadas pelo G1 em 2017 -, 46,7% da população brasileira se autodeclara parda e 8,2% preta, totalizando mais de 54% da população. Pelos fatores histórico-culturais e sociais anteriormente referidos e pela consciência que gera o sentimento de pertença à comunidade negra, considera-se a parcela formada por esses dois grupos como a população negra no Brasil.
O papel dos negros na sociedade brasileira
A presença dos negros na nação brasileira, sem dúvidas, influenciou fortemente as suas características. Vale a pena pesquisar os aspectos de raiz africana que reverberam, por exemplo, na música, na culinária, na língua, na literatura (sendo negros alguns dos autores consagrados de nossa literatura e outros não reconhecidos), no esporte e em vários outros elementos que constituem a cultura brasileira.
O estigma e a desigualdade social
A abolição oficial da escravatura no Brasil, que em 2018 completa 130 anos, estava muito longe de pôr fim à luta vivida pela comunidade negra. A Lei Áurea os tornou livres dos trabalhos forçados, da crueldade cotidiana de fazendeiros e feitores, mas não lhes proporcionou uma imagem social e uma vida dignas. Não tendo moradia nem meio de sobrevivência, passaram a constituir amplamente as periferias e a intensificar o processo de favelização.
Nesse período e ao longo do século seguinte, a grande maioria dos cidadãos negros do nosso país lutava por direitos básicos e vivia a restrição de acesso a educação de qualidade e de oportunidades de emprego.
Ao longo do século XX, o preconceito contra negros se radicou na sociedade brasileira e hoje se revela em situações que vão desde ofensas, estranhamento ante negros desfrutando de bens e ocupando posições socialmente mais valorizados, questionamento em relação à inteligência, à capacidade e à honestidade de pessoas negras, assim como situações de sério constrangimento a essas pessoas, gerado por abordagens abusivas que parecem resultar de um julgamento unicamente fundado na cor da pele, etc.
A exclusão dos cidadãos negros é constatada ao se observar, por exemplo, que mesmo sendo mais de 50% da população brasileira, eles são pequena minoria nos postos de trabalho mais valorizados socialmente, nos corpos docentes e discentes das universidades, entre os profissionais que trabalham na mídia, etc., ao passo que constituem majoritariamente as camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade. Nesse contexto, observa-se, por exemplo, que os jovens negros têm maiores chances de serem assassinados e que os que alcançam acesso ao ensino superior têm ainda dificuldades ligadas às condições de permanência nos cursos.
O estigma atrelado à população negra foi tão fortemente arraigado na sociedade brasileira, que, não raramente, teve como consequência a negação, a não aceitação ou a desvalorização da identidade negra, nos níveis macro e micro, o que resultou no enraizamento de uma concepção negativa em relação a características físicas e a elementos culturais que constituem essa identidade. Nas práticas sociais, o que quer que remetesse a ela, na linguagem, nos traços, nas ações, foi (e ainda é), por um lado, utilizado para ofender e, por outro, alterado para parecer com o que seria mais aceitável socialmente. Note-se, por exemplo, as agressões verbais e físicas, materializadas por quem chama negros de "macacos" e por quem até chega a lhes atirar bananas. Observa-se, em outra perspectiva, igualmente inferiorizante em relação à identidade negra, a preferência por utilizar a expressão "moreno(a)" em lugar de "negro(a), a designação "cabelo ruim", "cabelo pixaim" (esta última sempre sinônima de cabelo ruim), o recurso a produtos para o cabelo que possam minimizar ou ocultar suas características naturais, etc. A não valorização da identidade negra nessa última perspectiva foi apropriada mesmo entre sujeitos e famílias com características físicas e/ou culturais que constituem essa identidade.
A valorização da identidade negra
Nos últimos anos, tem-se observado uma gradativa mudança na postura em relação à identidade negra, de maneira que é crescente entre pessoas negras a desconstrução da sua desvalorização, dando lugar ao orgulho por reconhecer sua identidade e vivê-la. Autodeclarar-se negro, com todas as letras, não alterar nem ocultar traços físicos e culturais, exemplificam posturas que já são motivo de orgulho para muitos. Essa perspectiva tem ganhado uma certa extensão na sociedade, no que se refere às características externas, antes não valorizadas. As marcas de produtos ligados à beleza têm lançado produtos voltados para mulheres negras. Utilizar tranças nagô e turbantes parece ter-se tornado moda entre pessoas que não são negras. A apropriação de alguns elementos da cultura negra por pessoas que não são negras, entretanto, suscita certa polêmica, justamente por parecer decorrer de um modismo e não do sentido que têm para a comunidade negra. De qualquer forma, o fato de o estigma parecer estar se desfazendo, mesmo que positivo, não pode ser justificativa para negar ou silenciar o diálogo em torno do combate ao racismo e a exclusão vivida pelos negros, ainda muito forte em nossa sociedade.
Ações afirmativas
O Brasil empreendeu algumas iniciativas de enfrentamento à exclusão vivida pelos negros, inclusive no acesso à educação. Destacamos as seguintes:
- Lei nº 12.711/2012: Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Essa lei estabelece que devem ser reservadas 50% das vagas para os estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública e que essas vagas devem ser preenchidas por candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas conforme a proporção de pretos, pardos e indígenas na unidade da federação na qual está inserida a instituição, de acordo com último censo do IBGE.
- Programa Universidade para Todos: o PROUNI, que concede bolsas de estudos para instituições privadas de ensino superior, reserva bolsas para candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que também atendam aos demais requisitos do programa, em porcentagem igual à proporção de pretos, pardos e indígenas nos estados, conforme informações do site do Ministério da Educação.
Há outras ações afirmativas, não apenas no que se refere ao acesso à educação, que não são referidas aqui devido à exiguidade do espaço.
O dia da consciência negra
Até há alguns anos, o dia 13 de maio, data da promulgação da Lei Áurea pela Princesa Isabel, marcava os eventos ligados à comunidade negra e à sua luta. Ora, o movimento negro teve vários personagens que fizeram história, inclusive na luta contra a exclusão e o racismo. Um desses, reconhecido pelo movimento negro, é Zumbi, líder do quilombo de Palmares, que morreu lutando por seu povo. Diante disso, o movimento passou a entender que, de um lado, a princesa Isabel representava a elite que oprimira os negros e que o dia 13 de maio representava a escolha da elite para fazer referência a história da resistência negra e que, de outro, Zumbi representava mais legitimamente o próprio povo negro e a sua luta. Por isso, desde 2011, o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, passou a ser o dia que marca a celebração do que hoje chamamos de Consciência Negra, que propõe atualmente a valorização da cultura e da história negras e o enfrentamento ao racismo, não apenas à coletividade negra, mas à toda a sociedade.
Fique por dentro!