Você está aqui: Página Inicial > Assuntos > Fique por dentro > O estudante com deficiência visual e alguns fatores que podem influenciar o seu processo educacional

Noticia

O estudante com deficiência visual e alguns fatores que podem influenciar o seu processo educacional

publicado: 06/02/2019 11h54 última modificação: 06/02/2019 11h54

O acolhimento do estudante com deficiência visual no ambiente acadêmico precisa considerar outros fatores além do comprometimento biológico e do apoio profissional, material e estrutural demandados. Algumas situações, com maior ou menor incidência, podem ser comuns entre pessoas com deficiência visual e influenciar a sua formação pessoal e o seu desenvolvimento acadêmico. Nesse sentido, conhecer sua história parece indispensável para compreender seu estágio de formação e para a promoção de condições para a sua inclusão educacional. Deve-se considerar, ademais, o aspecto humano e as particularidades aí encerradas. A esse respeito, sugere-se a leitura do texto A inclusão social de pessoas com deficiência, publicado no Fique por Dentro no dia 05/12/2018.  Assim, o que é exposto aqui não deve ser tomado como descrição determinista ou acabada do que pode acontecer, mas como menção a situações que terão características particulares ao serem observadas concretamente, se o forem, na vida dos estudantes que as manifestarem.

Dentre os fatores a observar, destacamos os que seguem:

1. Postura ante à condição de deficiência - Há pessoas com deficiência visual que, a partir do convívio com outras pessoas e de um trabalho especializado eficiente, puderam desconstruir concepções inferiorizantes e comodistas em relação a si e à deficiência. Essas pessoas normalmente não compreendem a deficiência como tragédia, aceitam, propõem e reivindicam ações afirmativas para a sua inclusão e buscam vivenciar sua autonomia.

No que se refere ao tempo e à aceitação acerca da deficiência, ressalta-se que:

a)      Pessoas com deficiência congênita (adquirida no período compreendido entre a gestação e os primeiros anos de vida, parecem tender a aceitar mais facilmente sua condição. Normalmente não se ressentem da privação sensorial; as concepções negativas em relação à deficiência e a si próprias, quando existem, usualmente são alimentadas pelo ambiente social e não pelo comprometimento em si, e costumam ser desfeitas quando essas pessoas têm a oportunidade de viver uma reabilitação eficaz e de conviver com outras pessoas em condições diversas. Nesse contexto, a estimulação pode ser fator decisivo para a aquisição e ampliação de habilidades necessárias à autonomia do sujeito.

b)      Pessoas com deficiência adquirida, apesar de viverem um processo mais doloroso, não raro, superam o luto inicial pela perda sensorial, recuperam a autoestima e autonomia e tornam-se igualmente ativas, podendo não apenas gerenciar novamente a própria vida, mas também desconstruir concepções inferiorizantes sobre si e sobre a condição de deficiência. Assim como os demais, muitos passam a contribuir ativamente com a sociedade, bem como a propor e reivindicar as condições de que necessitam.

Por outro lado, há pessoas que não viveram essa desconstrução e que podem ter as concepções ainda marcadas por uma rejeição à condição de deficiência e por uma esperança de cura ou normalização, sentimentos alimentados no ceio familiar, decorrentes do forte estigma acerca da deficiência e do desconhecimento sobre as reais potencialidades das pessoas com essa condição e sobre as possibilidades para a sua inclusão. Por conseguinte, observa-se a sujeição dessas pessoas à superproteção, à inferiorização e à infantilização, a restrição de oportunidades para o seu desenvolvimento em diversas áreas, bem como o consequente desenvolvimento de baixa autoestima nesses sujeitos e a rejeição a ações afirmativas. Nessas condições, pessoas cegas podem apresentar uma atitude passiva e dependente, ao passo que pessoas com baixa visão, por ainda terem resíduo visual aproveitável, podem buscar, tanto quanto possível, sua normalização e até não informar aos profissionais do ambiente educacional sobre sua restrição visual.

Ademais, há que se referir a situação em que pessoas adquiriram a deficiência mais tarde e deparam com uma situação em que precisam lidar com a restrição sensorial, com o não saber inicialmente desempenhar a maior parte de suas atividades sem a visão e com a consciência de estar inseridas em uma situação que efetivamente não haviam desejado. Quanto mais recente for a perda, mais delicado é o momento vivido pelo sujeito. Nesses casos, como já mencionado, a autonomia e a vida socialmente ativa podem ser recuperadas com o apoio adequado.

Há, ainda, pessoas que vivem uma transição entre essas duas posturas: já se apropriaram do entendimento sobre sua capacidade e sobre a possibilidade de se desenvolverem e alcançarem autonomia, mas podem viver uma dificuldade para materializar a nova compreensão em sua própria vida por ainda estarem presas ao medo, à insegurança ou mesmo ao comodismo. Note-se que muitas foram cuidadas a vida inteira, de modo que, se por um lado, tomar as rédeas da própria vida lhes conferirá maior autonomia, aumentará sua autoestima e lhes dará maior dignidade, por outro, demandará delas novos aprendizados, a exposição a situações que talvez nunca tenham vivenciado sozinhas, além de mais atitude e responsabilidade, fazendo-as sair de uma zona de conforto. O apoio adequado certamente as auxiliará a finalmente desvencilhar-se das amarras que ainda as prendem a uma vida sob a tutela de outrem.

2. Vivências sociais e desenvolvimento do estudante - quanto mais apoio, habilitação/reabilitação e convívio social o estudante houver tido anteriormente, maior a probabilidade de manifestar bom desenvolvimento social e acadêmico e muitos poderão chegar ao campus com essas características. Outros, porém, apresentam muito fortemente os resultados das poucas oportunidades anteriores de desenvolverem suas habilidades em diversos contextos. Por isso, alguns podem chegar ao ambiente acadêmico revelando uma excessiva dependência para realizar atividades acadêmicas ou mesmo da vida diária com autonomia, inadequação de condutas sociais, comodismo, etc.

3. Qualidade do ensino anteriormente ofertado - quanto melhor tiver sido o período educacional anterior à chegada do estudante ao atual ambiente educacional, inclusive em relação à promoção da sua participação e aprendizagem efetivas, maior a probabilidade de ele apresentar bom desenvolvimento acadêmico. Por outro lado,  as já referidas condições inferiorizantes em relação às pessoas com deficiência, somadas à falta de recursos pedagógicos adequados, de atendimento especializado de qualidade, à falta de articulação entre atendimento especializado e trabalho docente e de práticas pedagógicas inclusivas configuram-se como barreiras ao aprendizado efetivo dos estudantes com deficiência, de maneira que aqueles que vivenciaram tais condições podem apresentar vários déficits em relação ao domínio dos conteúdos das séries anteriores.

Como se observa, a qualidade das vivências sociais, dos apoios especializados e, deve-se acrescentar, o empenho da própria pessoa com deficiência, favorecem a promoção de condições adequadas para a sua efetiva participação acadêmica e social. Nessa perspectiva, o trabalho eficaz do atendimento especializado, a parceria com serviços especializados de reabilitação, o apoio psicológico e psicopedagógico, o convívio do estudante com outros sujeitos em níveis diversos de autonomia são fatores que certamente beneficiarão o seu desenvolvimento. Vale ressaltar, ainda, a importância do trabalho junto à família do estudante, no sentido de minimizar a resistência e a descrença em relação às suas possibilidades e conquistar o apoio familiar para as iniciativas propostas pelos profissionais para favorecer o desenvolvimento das ações a serem empreendidas.