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Pessoas surdas: comunicação em sinais, oralismo e bilinguismo

Para você conhecer um pouco mais sobre a história dos surdos, esta edição do Fique por Dentro traz um breve panorama histórico da abordagem social em relação à comunicação dos surdos ao longo dos séculos.
por publicado: 09/12/2021 09h26 última modificação: 09/12/2021 09h26

Pessoas surdas: comunicação em sinais, oralismo e bilinguismo

                Pode-se dizer que a trajetória das pessoas surdas é marcada pelo modo como a sociedade compreendeu a sua forma de se comunicar.

                Para você conhecer um pouco mais sobre a história dos surdos, esta edição do Fique por Dentro traz um breve panorama histórico da abordagem social em relação à comunicação dos surdos ao longo dos séculos. 

Idade Antiga e Idade Média

                Na Idade Antiga, pensava-se que a falta da fala incapacitava a razão. Karin Strobel mostra que, para Aristóteles, quem não podia falar não tinha linguagem nem pensamento. A autora cita o seguinte trecho do filósofo: “... de todas as sensações, é a audição que contribuiu mais para a inteligência e o conhecimento..., portanto, os nascidos surdo-mudos [ver nota 1] se tornam insensatos e naturalmente incapazes de razão”. Strobel destaca que Aristóteles considerava absurdo tentar ensinar o surdo a falar. Até onde foi possível pesquisar, não parece ter havido nesse período iniciativas significativas de compreender a forma de comunicação dos surdos e de se comunicar com eles. A sociedade os manteve à margem por séculos e os privou de muitos direitos, o que se estendeu pela Idade Média.

Iniciativas de educação e oralização

                No século XVI, a partir da preocupação das famílias nobres de surdos em relação à herança dos títulos e bens, começaram a surgir iniciativas para ensinar os surdos a falar e a escrever. Alguns educadores famosos nesse período foram Ponce de León e Juan Pablo Bonnet.

                 Já no século XVIII, o alemão Samuel Heinicke (1729-1790) lançou as bases para o oralismo puro, filosofia que valoriza apenas a oralização em detrimento dos sinais. Heinicke fundou uma escola para surdos em 1778, em Leipzig.

                 Outro nome bastante influente para o oralismo foi Alexander Graham Bell.

Valorização das línguas de sinais –revelação cultural

               Também no século XVIII, o Abade Charles Michael de L’Epée  (1712-1789) aprendeu a comunicação por sinais que os surdos pobres de Paris utilizavam e a adotou para a educação de surdos. L’Epée fundou em sua casa a que se tornou a primeira escola pública para surdos. Como vimos na postagem Trajetória das pessoas surdas: pessoas que ajudaram a escrever essa história, o sucesso na instrução dos surdos a partir daí foi extraordinário, o método se expandiu para fora da França. Os surdos puderam ter instrução, revelar seus talentos e exercer diferentes profissões. Surgiram professores, escritores, engenheiros, intelectuais surdos.

                 Esse é apontado como um período áureo na história do povo surdo [ver nota 2]. Strobel o identifica como “revelação cultural”. Os surdos, antes não vistos como pessoas, privados de seus direitos, andarilhos, passaram a ter condições reais de educação, de acesso ao conhecimento, de desenvolver seus talentos e ocupar posições socialmente valorizadas.

O oralismo puro - isolamento cultural

                Conforme crescia o número de escolas para surdos que usava a língua de sinais como língua de instrução, crescia um movimento, defendido por professores oralistas, que afirmavam que os surdos deveriam ser instruídos apenas através do oralismo puro. Esse movimento ganhou força em alguns lugares do mundo e foi mundialmente oficializado no Congresso Internacional de Educadores, em Milão, em 1880, ocasião em que professores e diretores surdos foram impedidos de votar e expulsos do local onde ocorreu a votação. O resultado foi grandemente influenciado por Graham Bell. A partir daí, os professores e diretores surdos ficaram desempregados e foram substituídos por profissionais ouvintes. A qualidade na educação de surdos caiu drasticamente.

                 Strobel identifica esse período como “isolamento cultural” e observa que nele começou uma árdua jornada dos povos surdos, havendo maior união das associações de surdos, a fim de não permitir a extinção de sua cultura e suas línguas. Nas escolas para surdos, o uso de sinais era reprimido até mesmo com punições, o que nunca impediu os surdos de usar os sinais quando estavam fora dos olhares ouvintes, escondidos nos banheiros, às costas dos professores, nos dormitórios, por debaixo das carteiras.

Comunicação total e bilinguismo – o despertar cultural

                No século XX, estudos foram mostrando que os sinais utilizados pelos surdos são na verdade uma língua. Contrapondo-se ao oralismo puro que imperava nas escolas para surdos, foram então surgindo novas filosofias como:

  • comunicação total:  concepção que nasceu nos Estados Unidos nos anos 1960 e que chegou ao Brasil nos anos 1980, propõe o uso simultâneo de diversos recursos para a comunicação com os surdos, abrangendo oralização, sinalização e uso de sinais para tentar uma correspondência com a língua oral.
  • Bilinguismo: nasceu na Suécia nos anos 1970 e chegou ao Brasil nos anos 1990. Nesse modelo, língua de sinais e língua oral são usadas em momentos distintos e não há tentativa de fazer a língua de sinais corresponder à língua oral. A língua de instrução para as pessoas surdas é a língua de sinais e a língua oral do país é ensinada na modalidade escrita. A participação do intérprete é muito importante.

                 Strobel indica essa fase como o “despertar cultural”. O mesmo Congresso Internacional de Educadores que havia abolido o uso de língua de sinais como língua para instrução dos surdos, aprovou, cem anos depois, o bilinguismo como sua única forma de instrução.

Intérpretes de língua de sinais

                 Os primeiros intérpretes no Brasil atuaram em ambientes religiosos, como aconteceu em outras partes do mundo, e o seu aparecimento aqui é registrado nos anos 1980.

                 A legislação já dispõe sobre o uso e difusão da língua brasileira de sinais (LIBRAS) e sobre a sua inserção em alguns cursos, mas a sociedade ainda não promove adequadamente a inclusão das pessoas surdas. Desafios no acesso à educação e a espaços, serviços e bens culturais, ausência de intérpretes de LIBRAS em diversos espaços, falta de proficiência de professores no ensino bilíngue, falta de legenda oculta e interpretação em LIBRAS em muitos produtos audiovisuais são alguns exemplos.

                Continue acompanhando o Fique por Dentro e leia mais sobre inclusão e sobre pessoas com deficiência.

 

Nota 1: A expressão surdo-mudo não é mais utilizada. Leia o texto Empregando adequadamente nomenclaturas no contexto da deficiência.

Nota 2: Karin Strobel e Janaína Peixoto  explicam o conceito de povo surdo.

 

Referências: