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Mary Roberta: da Morada do Sol para o topo
Filha de Severino e Célia Meira Marinho, a professora Mary Roberta é natural de Patos, município do Sertão paraibano onde o sol é inclemente. Educadora, mãe e esposa, é casada com Ramiro Manoel e têm três filhos: Matheus, Rafael e Ramiro. Com quase três décadas de experiência em gestão acadêmica e administrativa, foi eleita em abril de 2022 para ser a nova reitora do Instituto Federal da Paraíba (IFPB). Mais que isso: com mais de 92% dos votos válidos – o maior percentual de toda história da rede federal – a comunidade acadêmica a colocou no topo, num patamar histórico. Mary Roberta foi a primeira mulher escolhida para dirigir a instituição em seus 113 anos.
O exemplo de determinação veio da mãe, dona Célia, que criou e cuidou de três filhos sozinha. Também professora, a matriarca da família foi uma mulher "fantástica e inigualável", nas palavras da própria Mary. "Cuidou de mim e de meus dois irmãos, Glauciana e Leonardo", sempre trabalhando muito para que pudéssemos estudar, e nada foi fácil", conta.
Da chamada "Morada do Sol", topônimo da cidade situada a cerca de 300 km da capital paraibana, a família migrou para João Pessoa na grande seca que durou de 1979 a 1983, deixando centenas de milhares de mortos em todo o Nordeste. "Lá no Sertão, eu tinha esse sonho de ser técnica em mecânica, e seguir a carreira na área de mecânica. Saímos de lá, eu e meus irmãos, minha mãe ainda ficou. As dificuldades eram grandes".
Aos 55 anos de idade, dos quais boa parte em sala de aula ou em atividades de gestão, Mary Roberta tem no IFPB um grande amor. Foi no Instituto, aliás, que ela fez o curso técnico em mecânica, ainda quando era adolescente. "Quando eu cheguei em Jaguaribe, ainda menina, fiquei encantada com todas aquelas máquinas lá na mecânica. E esse sonho, me deu essa vontade e também a capacidade de enfrentar esses desafios".
Posteriormente, Mary Roberta ingressou no IFPB como professora substituta (1994) e depois foi efetivada como concursada em João Pessoa, em 1995. "Esta escola não só transformou e modificou minha vida, mas a de milhares de estudantes e servidores que por ela passaram ou que tiveram contato ao longo desse tempo".
Na entrevista a seguir, essa mulher sertaneja forjada na luta, comenta sobre a conquista do cargo de reitora, fala sobre machismo, preconceito, assédio sexual e destaca que as mulheres ainda enfrentam espinhos e muitos cascalhos em suas trajetórias. Confira!
1. A senhora é a primeira mulher a assumir a reitoria do Instituto Federal da Paraíba. Considerando a passagem do Dia Internacional da Mulher, como a senhora avalia essa conquista? Alguma mulher a inspirou ou atou como mentora?
MARY ROBERTA: É uma conquista inigualável. Primeiro porque são 113 anos em que nós tínhamos a nossa instituição, uma instituição de suma importância para a formação de pessoas, com a direção sempre com os homens. E agora as mulheres têm uma referência. Vêm comigo mulheres do Sertão, mulheres do Litoral, meninas, aquelas que pensam em trabalhar para conquistar espaços, vêm todas comigo nesse momento em que a gente pode contribuir e mostrar que nós podemos. Muitas mulheres inspiram mulheres, e isso é muito bom! Por isso, que eu espero também ser essa inspiração. Uma delas, minha mãe, também foi primeira mulher a trabalhar num banco aqui na Paraíba. Isso me inspirou muito, esse dia a dia de minha mãe, também professora. E outras mulheres, a professora Verônica, que foi minha professora lá na mecânica, uma mulher que me inspirou. Ela também foi gestora e segue adiante, fazendo no dia a dia, demonstrando que nós mulheres podemos, que nós temos os braços e nós temos o cérebro para contribuir.
2. Nessa sua trajetória, a senhora enfrentou dificuldades em sua formação e carreira pelo fato de ser mulher?
MARY ROBERTA: É natural eu tocar nesse ponto, porque realmente passei por vários momentos em que, já na minha primeira formação, como técnica em mecânica, enfrentei dificuldades em entrevistas que fazia provas e passava, mas não era aceita na entrevista. Agora, no IFPB, eu tive um apoio muito forte, o apoio de meus professores, aqueles que desde a minha adolescência incentivavam que eu pudesse me desenvolver como pessoa. E aí eu me senti incluída. Eu senti que podia enfrentar esse desafio, e agradeço que tenha sido reconhecida: mais de 92%% dos votos de nossa comunidade, após esses 28 anos de trabalho, é realmente um grande reconhecimento.
3. As mulheres ainda seguem como minoria entre graduandos na área de tecnologia no Brasil. Como as políticas públicas na área de educação podem contribuir para mudar essa realidade?
MARY ROBERTA: A mudança vem primeiramente pelo exemplo. As mulheres alcançando, essas que vemos, que vimos aí alcançando e ocupando espaços, esse exemplo é muito importante. Políticas podem ser desenvolvidas como, por exemplo, aqui no IFPB nós temos uma política de 1/3 de gênero para os cargos de gestão, temos também um programa de Meninas para as Ciências, no campus João Pessoa e que pretendemos agora exportar, expandir para os outros campi, e estar antenada com todas as políticas públicas específicas para as mulheres. Estamos lutando por cotas específicas para pesquisadores e pesquisadoras, e as políticas devem também passar para o dia a dia, para o diálogo em que lá na educação básica, a gente já possa mostrar às meninas que elas podem ocupar os espaços que elas queiram.
4. Em todo o mundo, mulheres são vítimas de assédio sexual e moral. Discutir esse tema e propor ações práticas é um desafio abraçado pela atual gestão?
MARY ROBERTA: É um desafio para as mulheres e para a gestão em todos os espaços. Nos setores em que, às vezes, não tem uma estrutura de discussão, como por exemplo na indústria, onde eu trabalhei e vivenciei espaços muito opressivos para as mulheres. Espaços também de assédio sexual muito forte, principalmente para os cargos menos favorecidos. No IFPB, que é uma reprodução da sociedade, toda escola é uma reprodução do que tem na sociedade, nós também enfrentamos esses desafios, mas nós temos a obrigação, como instituição educadora, de educar homens, mulheres e
chamar servidores a estabelecer, como regra de vida, o respeito às mulheres. O respeito e também colocar-se no lugar do outro, ter empatia de que a mulher está ali naquele espaço como igualdade, como iguais. Então ela tanto tem que ter oportunidade de falar como também tem que ser respeitada, tem que ter sua segurança de vida e também sua segurança de estar naquele espaço como pessoa que está ali contribuindo para o desenvolvimento de processos.
5. O machismo estrutural ainda é um grande desafio para toda a sociedade. Como reitora de uma instituição com mais de 45 mil alunos, a senhora acredita que o IFPB tem como contribuir para educar homens e mulheres a vivenciar a equidade de gênero?
MARY ROBERTA: É grande o desafio, temos obrigação sim. Inclusive, nesses últimos anos, nós temos enfrentado fake news que trouxeram para o contexto da escola, um ataque externo – quando nós tratamos de questões de bullying, de respeito às pessoas –, a criação de uma teoria que, nem as feministas reconhecem como existente, que seria a denominada “Ideologia de Gênero”. A gente tem que discutir a proteção das pessoas, não só das mulheres, mas de toda a comunidade LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual) no espaço da escola. Então é preciso trazer a discussão, trazer também o respeito e incluir essas pessoas tendo-as como iguais a nós. A gente tem de pensar que, quando a gente exclui essas pessoas que são cérebros brilhantes e pensantes, a gente tem a impossibilidade de trazer a contribuição que elas poderiam dar para o desenvolvimento da sociedade. Então o nosso papel é trazer essa discussão, é levar com que as pessoas possam incluir e serem incluídas.
6. A senhora quer deixar alguma mensagem pela passagem do Dia Internacional da Mulher?
MARY ROBERTA: O Oito de Março é um momento de reflexão, não é de alusão comercial, presentear as mulheres, trazer-lhes flores, pode até nos trazer, mas lembrando que nelas estão os espinhos; são os espinhos que nós enfrentamos. Lembrando que nós temos aí muito a trilhar nesse caminho. Um caminho que vem sendo pavimentado por mulheres anteriores, mulheres que sofreram, muitas vezes perderam a vida. E esse caminho, que muitas vezes pensamos na canção popular que diz “Se essa rua, se essa rua fosse minha/ Eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas de brilhantes/ Para o meu amor passar”… Essas pedrinhas, muitas vezes nós encontramos como cascalhos. E esses cascalhos, nós precisamos, mulheres e homens, retirar desse caminho, para que, nesse Oito de Março, a gente se lembre disto: é luta, é união, para a gente pensar como seres humanos, como pessoas, em nos desenvolvermos como sociedade. E respeitando os outros.
Angélica Lúcio - Jornalista do IFPB/Reitoria (Fotos: Arquivo DGCOM)